segunda-feira, 20 de agosto de 2012
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O jeito Mórmon de fazer negócios
Como uma doutrina religiosa é capaz de criar empresários e executivos de sucesso.
Por Rodrigo CAETANO
Eles não bebem, não fumam, não usam drogas nem tomam café. Andam invariavelmente com camisas de manga curta e gravata. Os cabelos são impecavelmente penteados. Trabalham duro, muito duro. E estudam nas melhores universidades. A família é o que há de mais importante em suas vidas. Essa é a descrição dos seguidores da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mais conhecidos como mórmons. Criada no início do século 19 nos Estados Unidos, a religião espalhou-se por praticamente o mundo todo, inclusive no Brasil – onde tem 200 mil seguidores. O seu vasto império comercial é avaliado em US$ 40 bilhões.
Assim na terra como na empresa: Carlos Wizard Martins, do grupo Multi, usa os conceitos
da religião como inspiração para gerir suas escolas de idiomas.
Dona de diversos negócios com fins lucrativos, organizados sob a holding DMC, com sede em Salt Lake City, no Estado de Utah, a empresa conta com seis subsidiárias, que controlam 11 estações de rádio, uma emissora de tevê, diversas empresas de mídia impressa e digital, além de uma prestadora de serviço de hospitalidade e uma seguradora, com mais de US$ 3,3 bilhões em ativos. Neste ano, inaugurou um shopping que custou US$ 2 bilhões em sua terra natal, onde está localizado o maior templo da Igreja, com capacidade para sete mil fiéis. É fácil entender por que os mórmons têm tantas posses. Eles podem ser considerados a mais capitalista das religiões – embora outras, como a calvinista, abençoem o lucro e estimulem seus seguidores a enriquecer, ela difere na forma como está organizada, semelhante à de uma corporação.
Seus dogmas seguem conceitos que são muito apreciados no mundo dos negócios. Por essas razões, boa parte de seus fiéis são empreendedores de sucesso ou executivos bem-sucedidos em grandes empresas. No Brasil, pode-se citar o empresário paulista Carlos Martins, presidente do grupo Multi, dono de várias escolas de idioma e de informática, como a Wizard e S.O.S Computadores, cuja receita ultrapassa os R$ 3 bilhões. O brasileiro David Neeleman, que criou a companhia aérea Azul, atualmente dona de uma fatia de 10% do mercado de aviação civil nacional, é outro mórmon de destaque. Ele nasceu no Brasil, quando seu pai cumpria uma missão no País. Mais tarde, ele próprio foi missionário no Rio de Janeiro e no Nordeste.
A lista inclui o gaúcho Francisco Valim, que tem o desafio de fazer a empresa de telefonia Oi crescer novamente. “Desde pequenos aprendemos a liderar e a lidar com a rejeição”, afirma Martins, referindo-se ao fato de pertencer a uma confissão minoritária. “Isso ajuda muito na hora de enfrentar o mercado de trabalho.” Nos Estados Unidos, destacam-se o candidato republicano à Presidência Mitt Romney, fundador da Bain Capital, empresa de private equity com uma carteira de investimentos superior a US$ 60 bilhões. Outro bilionário mórmon é Jon Huntsman, filho do fundador da Huntsman Corporation, gigante da indústria química, com valor de US$ 11 bilhões na bolsa de Nova York.
Quem também contribui com 10% de seus rendimentos à igreja é J.W. Marriot, presidente da cadeia de hotéis Marriot. Assim como para os católicos um dogma importante é acreditar na Santíssima Trindade, os mórmons são doutrinados pelo trabalho. Para seus devotos, trabalhar é uma obrigação espiritual, como ir à missa aos domingos e rezar o Pai Nosso é para os súditos do papa Bento XVI. O sucesso nos negócios, portanto, nada mais é do que um sinal de que o indivíduo está seguindo os mandamentos da Igreja. “Uma coisa que aprendemos é ser perseverantes”, afirma o mórmon Paulo Kretly, presidente da consultoria americana de treinamento FranklinCovey, no Brasil. “Dessa maneira, conseguimos o sucesso que algumas pessoas não alcançam por falta de paciência.”
Nascido em uma família humilde — seu pai não chegou a completar o segundo grau —, Kretly precisou conciliar a carreira com os estudos e o trabalho voluntário na Igreja. Mesmo com as dificuldades, completou o mestrado e iniciou um doutorado. Essa firmeza e essa obstinação de objetivos são injetadas desde muito cedo aos fiéis. Aos 8 anos, eles são incentivados a fazer pequenos discursos nas igrejas, para perderem o medo de falar em público. Aos 19 anos, recebem um “choque de gestão” ao se alistarem nas missões. Voluntariamente, eles abandonam o convívio familiar e são encarregados da evangelização e conquista de novos adeptos, na maioria das vezes no Exterior. Antes de embarcarem, os missionários passam por um centro de treinamento, no qual aprendem a “vender” a religião.
Durante a missão, que dura dois anos, podem entrar em contato com a família apenas duas vezes. “É uma experiência muito difícil, uma vez que temos de sair de casa para enfrentar o desconhecido”, afirma o mórmon Paulo Amorim, ex-sócio da Korn Ferry e atual presidente da Alexander Proudfoot, consultoria especializada em produtividade, na América Latina. “Quando voltamos, no entanto, somos capazes de vender qualquer coisa.” Com passagem pela Autolatina, fusão da Volkswagen com a Ford, no Brasil, nos anos 1980, e pela americana Pepsico, Amorim se especializou em trabalhar na formatação de grandes transações. Um exemplo em que esteve envolvido foi na consolidação das operações das Pizza Hut e KFC no Brasil.
Jargões corporativos, como “coaching”, e palavras como liderança e conselho consultivo são também comuns para explicar o funcionamento da Igreja Mórmon. “A organização da Igreja é perfeita”, afirma Martins, do grupo Multi. “Qualquer empresa que adotá-la será bem-sucedida.” Foi o que fez Martins, quando começou, em 1987, a dar aulas particulares de inglês em Curitiba. Ele usou o método de ensino mórmon para aprender idiomas, que promete que qualquer um pode falar outra língua rapidamente. Tanto que, na ocasião, o empresário adotava o slogan “Inglês em 24 horas” como chamariz para atrair clientes. Um quarto de século depois, Martins é dono da maior rede de ensino de idiomas do País, que conta com 700 mil alunos. Tudo construído na base dos preceitos mórmons, com persistência e muito trabalho duro.
“Deixo-vos a Paz”
“Num sábado quente de março, acordei com o sol da manhã tocando-me o rosto. Enquanto o restante da família dormia, vesti-me e fui dar uma volta no jardim que estávamos fazendo (…) Ao olhar o jardim e nossa casa nova com todos os seus projetos, senti-me grata pelas belezas da Terra e pela felicidade que desfrutávamos.
Meu marido e eu comemorávamos nosso vigésimo aniversário de casamento e passamos o restante do dia juntos. Almoçamos no nosso restaurante preferido, refletimos sobre nossos anos juntos, nossa conversão à Igreja, o nascimento dos nossos sete filhos, os sonhos e metas que havíamos realizado. Lembramos com ternura do dia em que nos ajoelhamos no altar do Templo de Salt Lake nove anos atrás.
No fim do dia, preparamo-nos para assistir à sessão de sábado à noite da conferência da estaca. Quando entramos na pista com o carro, voltei-me para Phil e perguntei: ‘Tem certeza de que estou bem com esta blusa vermelho-vivo?’
‘Você fica bonita de qualquer jeito’, replicou ele.
Essas foram as últimas palavras que ouvi de meu marido.
Quando nos dirigíamos à capela, uma ‘pickup’ entrou na contramão. O motorista tentara ultrapassar cegamente vários carros pelas ruas e todos os esforços de evitar a colisão de frente falharam. Phil notou que o acidente não poderia ser evitado e atirou-se sobre meu corpo para me proteger.
O próximo som que ouvi foi o da equipe de resgate, cortando a lataria do nosso carro. Quando recobrei a consciência, soube que meu marido tinha morrido. Ninguém precisava dizer-me. Contudo, quando dei-me conta disso, um espírito calmo e pacífico envolveu-me. ‘Phil partiu’, sussurrou-me o Espírito. ‘Tudo ficará bem. Sua vida está em minhas mãos.’
No meio de toda a confusão, preocupação e grande perda, entendi, como nunca havia entendido antes, a paz a que Cristo se referiu quando disse: ‘Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.
Eu sofrera uma fratura cervical e vários outros ferimentos, mas na tumultuada corrida para o hospital, ao ser interrogada pelo médico e ver a preocupação do meu bispo e do presidente da estaca, conservei-me em paz. ‘Por que estão todos tão preocupados?’ pensei. ‘Não sabem que tudo vai ficar bem?’ (…)
Quando voltei para casa do hospital, o cartão de aniversário que Phil me dera ainda estava sobre a cômoda, onde o deixara semanas antes. Senti paz novamente ao reler as palavras que me escreveu: ‘Não consigo compreender como será quando essa felicidade e esse amor continuarem a crescer pelas eternidades. Muito amor, Phil’.” [Edith Rockwood, “Peace I Leave With You” (“Deixo-vos a Paz”), Ensign, abril de 1983, pp. 30–31.]
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